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24 de dezembro de 2010

Profissão Menino de Rua

Amigos, em época de natal eu fico um pouco nostálgico e triste, não sei porque, mas acho que muita gente se sente assim também. Me peguei ouvindo umas canções antigas que fiz e achei essa, Profissão Menino de Rua, e me recusei a ficar triste pois muitos meninos sem casa dariam tudo pra ter o que eu tenho. E então me senti feliz por ter um teto, família e amigos...como vocês que lêem esse texto. Para vocês, aí vai a letra:

Solidão é o ponto de partida, quero que pense, lembre, sinta, o que eu senti a vida inteira no peito. Não tive o que toda criança tem direito, um livro, um brinquedo, uma casa, porém tive um saco de cola e uma faca. A vida passa, lembro do passado, todo natal eu me senti abandonado. E o estado nem liga pra mim, eu sou um vira-lata esperando a carrocinha. Olha, o prefeito parou no sinal, só sento no seu carro quando eu sou o flanelinha. E a polícia me põe pra correr e eu pergunto: mamãe onde tá você, pra me dizer te amo meu garoto? Porque eu já tô cansado desse mundo louco, sem almoçar a procura de um abrigo. Responde, você se importa comigo? Mais um menino na rua da amargura, mais um pivete com medo da viatura. Mas que loucura eu só tenho 13 anos, por que a sociedade já me cobra tanto? Eu já levanto com frio na barriga, com medo dos pivete maior e da polícia.

Nem toda mãe é como foi Maria, nem todo pai é como foi José...é toda criança sente fome e o pulmão respira, mas pra viver você precisa de afeto.

E eu cresci sem o seu apoio, feito cachorro louco, sem dono pra cuidar. Ah se Deus pudesse te contar o que eu passei, você teria um belo filme de suspense. Cola, rua, pé descalço, todo preconceito, sangue no asfalto. Crack, lata, corpo machucado, chão de papelão e futuro arruinado. É o o que esperam de mim, na minha idade, assaltante morto por um PM covarde. Que Deus me guarde dessa maldade, 17 anos, baixa escolaridade, zero de estrutura, fora da competição. Não sei computação, mas sei do camburão. Na profissão de pivete de rua eu sou o mestre e a cadeia foi minha formatura. Eu me formei e não vou ganhar um prêmio. Como vou ter carro se eu não posso ter um tênis? Tô maior de idade e como recompensa ganhei um calção, uma cela e uma sentença.

Nem toda mãe é como foi Maria, nem todo pai é como foi José...é toda criança sente fome e o pulmão respira, mas pra viver você precisa de afeto.
E no presídio, todos contra um. Entrei depois de 17, só saio com 28. Na cara a marca do meu sofrimento, detento a frente de 10 anos de pena. Processo lento, nos meus aposentos, um toca fita velho e um papel higiênico. Tem que ser gênio pra não virar louco, tem que ser louco pra não perder pro gênio dos outros. Que sufoco! No nosso estatuto todo preso tem direito a uma mãe de luto, banho de sol uma vez é luxo, trabalhando na cadeia três por um é lucro...

...batalhando duro pra sair do furo, prometi pra Deus sair do jogo sujo. Toda minha loucura agora é na tintura, pintura no tecido, costura na moldura... Final de pena mais um mês eu tô na rua, vou trabalhar vendendo quadro na feira da Lua. Maravilhoso o gosto da liberdade, honestamente vendendo a minha arte. Aqui na feira, como em toda parte, como eu tem um pivete que não teve pai e eu conheço o destino desse menino. Mas peraí! Não tem que ser assim. Não tem que acontecer com ele o que aconteceu comigo, não. E a juíza viu que eu tô me recuperando... e aquele moleque da feira eu tô adotando!

Nem toda mãe é como foi Maria, nem todo pai é como foi José. Na caminhada encontrei uma saída, te adotei e vou te dar o meu afeto. Nem toda mãe é como foi Maria, tem todo pai é como foi José. Esse pivete agora é meu filho e me deu motivo pra andar correto... Fé em Deus e muito Amor!

Dyskreto é rapper, ativista cultural e coordenador da Central Única das Favelas de Goiás (www.twitter.com/Dyskreto)

*Artigo publicado no DM Revista do jornal Diário da Manhã, edição de quinta-feira, 23 de dezembro de 2010.

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